O MOSTEIRO CARTUSIANO DE SANTA MARIA SCALA COELI. Do Processo de Entrada

Autoria: Ana Isabel Loureiro

Orientação: Pedro Gameiro

Universidade de Évora - Escola de Artes

Menção honrosa

Memória descritiva

A passagem do arco do aqueduto assinala também a entrada, não num espaço interior, mas no espaço

interno que é o conjunto edificado cartusiano. A igreja impõe-se constantemente na paisagem desde o início

do percurso e, pelo crescente alcance da fachada à medida que o entrante se aproxima, reclama a proximidade

do espaço sagrado cartusiano. Desde logo se percebeu que a entrada dispunha de pouca profundidade, sendo

por isso essencial a reposição da devida distância.

Torna-se então necessário, e de acordo com as intenções que caracterizam a entrada de uma cartuxa,

evitar a vista integral da igreja e, se possível, o seu acesso tão repentino. A hipótese aqui veiculada tem como

base a recuperação da cota antiga do pátio de entrada – fiel à intenção do projecto original mas distinto na sua

configuração. Ao invés da proposta de uma escadaria para vencer esta diferença de cota, propõe-se que a

elevação impeça o acesso directo ao pátio de entrada e, por sua vez, à escadaria que dá acesso ao nártex exterior

e à igreja. Este óbice, além de significar a obrigação de paragem, é também representativo da relação que os

monges cartuxos têm com quem deles se acerca. Do espaço da portaria nasce um vestíbulo que abriga este

momento de pausa, duplicando a função da portaria, tal como fazem as diversas antecâmaras cartusianas ao

longo de todo o edifício, e como sugeriu, outrora, o pequeno espaço que antecedeu a portaria na época de

Eugénio de Almeida. Propõe-se ainda uma abertura neste vestíbulo, próxima da escala do homem, que faculta

o contacto visual, ainda que controlado, com o nártex exterior da igreja – e não com a totalidade da sua

fachada. Vê-se mas não se vê tudo, está aberto mas não se passa. Surge uma clara tensão no encontro do mundo

secular com o cartusiano.

Do vestíbulo, a transição até ao espaço da recepção faz-se tangente ao pátio da entrada, ao longo de um

extenso corredor, desfazendo-se numa suave rampa. A opção pelo percurso perpendicular em relação à

aproximação axial ao edifício sublinha a inutilização do eixo central – em virtude das passagens laterais, que

tornam misteriosos, introvertidos e intensos, os percursos no interior da cartuxa. Antes do espaço de conversa

com o procurador, propõe-se ainda um vão que se lança em direcção ao recinto exterior que antecede a

portaria, permitindo voltar atrás através do olhar, repensar a entrada e confirmar a decisão. A confirmação do

desejo de entrar no ambiente cartusiano diz respeito ao visitante, que deve ponderar se o que o leva até ali é tão

forte quanto o que ali se vive – confirmando dessa forma que o motivo que ali o leva vale a pena interromper a

clausura – mas diz respeito, sobretudo, aos noviços, que ali chegaram com vontade de se isolar para sempre com

Deus e aos quais é sugerido que repensem as suas intenções. Deste modo, o espaço da recepção surge com grande

ímpeto no processo de entrada e, por isso, devem as suas dimensões acompanhar o seu carácter. É por isso que,

no espaço em que o procurador recebe quem visita a cartuxa se abre um grande vão para abraçar o perfil da

cidade de Évora, visto para lá da cortina de folhas dos plátanos centenários. A transição para o pátio de entrada

faz-se através de uma passagem em sifão, terminando num espaço coberto que devolve o entrante ao exterior e

revela, na íntegra, a fachada da igreja. A aproximação oblíqua relativamente ao plano da fachada engrandece a

perspectiva do edifício.

Em suma, a estratégia proposta para a problemática do processo de entrada no mosteiro de Santa Maria

Scala Coeli consiste no desenho de um percurso indirecto, que confere à transição uma sensação contraditória

de profundidade, tornando-a assim indirecta, lenta e prolongada – características essenciais na configuração do

acesso a uma casa cartusiana.